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Célula Estaminal

Célula Estaminal

17
Nov07

Next lifetime?

Domesticada
Entraram na sala de aula a correr e com as mochilas a cair dos ombros. Ainda se vinham a rir do sketch que inventaram no pátio da escola, na zona do pátio onde ninguém os chateia e não se ouvem as musicas de Pearl Jam em repeat que os miudos cool põem na rádio a tocar e a dedicar às namoradas. Ele fala alto, sempre. Ela fica envergonhada mas acha piada, e ri-se com a boca tapada como quem não quer ser cúmplice da palermice mas não se quer distanciar dele. A professora olha para os dois zangada, mas com a mesma expressão na cara que o resto da turma. O olhar que todos lhes deitavam, de os achar tolinhos e irrelevantes na vida de cada um deles.

-Acho que tenho de te lembrar mais uma vez que estás a repetir esta disciplina, e que não devias querer que isso aconteça à tua colega este ano também. Entrem os dois e façam pouco barulho.

Sentam-se no fundo e juntam as cadeiras para partilhar o livro. Há sempre um deles que não tem livro. Há sempre um deles que pensa se o outro não se esquecerá do livro de propósito para poderem partilhar. Mas não falam disso. Nem falam de quando pensam um no outro fora da escola, de como não não faz sentido gostarem um do outro. De como ele não é o Brad Pitt dela e ela não é nenhuma Britney. Só falam de todos os filmes que têm para ver, e todos os livros que têm para ler, e de todas as bandas que ainda vão existir até que a vida de cada um deles acabe. E ainda no meio da aula não conseguem evitar falar baixinho um com o outro.

-Hoje não me ligues à noite, tá bem?
-Não posso?
-Não, hoje o Tiago vai-me ligar à noite.
-És muito parva, estás toda apanhadinha por ele.
-Tou nada, parvo! (bate-lhe no braço, com medo de lhe tocar demasiado)
-Tás e eu estou-me nas tintas, não te conto nada do filme de logo e ficas sem saber.

(Ele não gosta de mim.)
(Ela não gosta de mim.)

A aula acaba, alguém vem falar com ela sobre uma saída de sexta à noite, uma miúda parva vai sentar-se no colo dele, ela vai descobrir alguém a quem cravar um cigarro, ele volta para as aulas dele, O Black volta a tocar na rádio.

Um ano mais tarde o Black é a música que ela canta com o Tiago no aniversário de um ano de namoro, os sketches que ele inventava era mostrados a outra. Uns outros anos mais tarde, ela tem encontros com amigos em comum. Ele também. Perguntam um pelo outro aos amigos, os amigos não retribuem.

Há um dia , dez anos mais tarde daquele dia, em que ele sai do trabalho mais cedo para ir ter com uns clientes. Há um dia em que ela está de folga do trabalho. Há um dia cinzento, em que o trânsito da cidade joga contra toda a gente, e o benfica joga para uma competição europeia. Há um dia em que ela sai de casa desarranjada para ir comprar detergente para a máquina, e ele sai do trabalho cansado e solitário. Há esse dia, diferente de qualquer dia perfeito de um filme, porque a rua não convida a encontros, porque o céu está poluido com ruído e fumo, porque as pessoas têm pressa na rua, porque os semáforos são implacáveis. Porque ela está mais gorda que há 10 anos atrás, porque ele está mais careca que há 10 anos atrás. Mas é nesse dia que se encontram. E trocam novidades que não são, porque aconteceram há cinco minutos atrás. Até porque as verdadeiras novidades mão se contam assim.

- Há tanto tempo! Que tens feito? (Eu não parei de pensar em ti e de como gostava de te ter beijado e que me agarrasses o pescoço e dissesses que gostavas de mim.)
- Estou a trabalhar aqui e ali, toco numa banda de qualquer coisa. E tu? O curso , que giro , o que fazes?(se me tivesses beijado nunca te diria que não, e nunca mais te diria que não)
- Eu estou óptimo, acabei o curso, tenho feito uns coiso e tal, agora trabalho aqui e faço isto. Tens falado com o coisinho? (Estás gira, que raiva, estás gira)
- Sabes, não o vejo há que tempos, desde que moro aqui. (Continuas igual, tens a mesma boca apetecível, falas alto à mesma, porque nunca te calei com um beijo?)
- Bom, tenho de ir andando, liga-me. (não a vou ter nunca)
- Ligo, claro. Temos de combinar qualquer coisa. (não vou conseguir ligar-lhe, não quero ser amiga dele, o que é que sou suposta fazer com este número?)

Passou mais um ano. Ela já tem demasiadas cicatrizes, ele demasiadas raizes. Ela moldou o gosto pelos homens da sua vida pelo que era a memória dele. Ele fantasiou o corpo e os beijos dela, presentes como uma banda sonora da adolescência que punha a tocar de vez em quando. Guardaram um conjunto de desejos para quando se encontrassem, mas agora já não estão disponíveis um para o outro.

-Era melhor que...
-Que?
-Era melhor que não ficássemos tão bem na cama.
-Era melhor que a fantasia não se tivesse realizado.
-Era. Mas eu sabia que beijavas assim, sempre soube.

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15
Nov07

Wiki

Domesticada
Neste momento talvez o que sente mais orgulho, além da satisfação de fazer precisamente hoje um ano que levou para casa a planta que ainda vive ( o Weberbauerocereus é um gênero botânico da família cactaceae), é de se ter tornado uma mulher diferente das outras. Não ser mais uma gaja, não ter momentos lamechas, não desejar o amor eterno mas que a deixassem em paz. Com paz. Ajuda também o facto de ter ao seu lado um homem bonito e bom na cama, que lhe faz uma festa na cara e a fita com olhos gulosos. Tem uma sensação de estar completa (A completude é um meta-resultado lógico importante, que garante que toda sentença válida pode ser formalmente derivada, estabelecendo assim uma certa relação entre o universo semântico e sintático de um determinado cálculo lógico).

- O Jerry Macguire mentiu a todas nós, sabes?
- Hm?
- O Jerry Macguire, a cena do "you complete me", é mentira.
- Pois claro.
- As pessoas não completam as outras, completam-se a si próprias. Digo eu, sei lá. Passas-me o cinzeiro?
- Sempre fazes cá o jantar amanhã com as tuas amigas?
- Faço, quer dizer, finjo que faço. Devo ir buscar um frango.
- Nunca mais me esqueço do bolo de chocolate do último jantar, um que trouxe aquela tua amiga. Comia aquilo todos os dias, caraças.

De repente uma dor pungente no peito dela. Uma mão fria de ar que lhe entrou nos pulmões e torceu um bocadinho as entranhas. (Eu não sou uma gaja como as outras, eu tenho orgulho nisso, mas que merda...?)

- Amor...
- Diz.
- Desculpa.
- Mas desculpo o quê, querida?
- Não sei fazer bolos de chocolate.
- He he, está bem, anda cá tolinha, o que foi?
- Eu nunca fiz um bolo de chocolate, eu nunca vou chegar a um jantar de alguém com uma travessa, ou mandar uma mensagem a meio da tarde a dizer "já fiz um bolo de chocolate", ou "podem levar as bebidas, eu levo um bolo de chocolate". Eu nunca FIZ nada.
- Se fizesses se calhar eras igual às outras miúdas todas.
- Seria assim tão mau? Vou-me levantar, o computador está ligado? O wiki terá receitas de bolos de chocolate?

(O Bolo é um alimento a base de massa de farinha, geralmente doce e cozida no forno. Os bolos são um dos componentes principais das festas, como as de aniversário e casamento, por vezes ornamentados artisticamente e ocupando o lugar central da mesa.)
14
Nov07

Amor

Domesticada
E um dia, no meio de um jogo de copos, a gaja diz-me isto - Se não gostasse tanto de sexo provavelmente teria de acreditar em Deus.
14
Nov07

Sexo

Domesticada
"...e finalmente, depois de retomar o fôlego, limpar a garganta e endireitar a camisa, olhou para ele com a mesma expressão de há 10 anos atrás e disse - Vá, deixa estar, eu vou buscar a vassoura."

Pág. 1/2

"Personally I'm always ready to learn, although I do not always like being taught." Winston Churchill
mariajoaoso (arroba) gmail.com

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