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Célula Estaminal

Célula Estaminal

28
Ago08

The Office (V 2.0)

Domesticada

Chego tarde e a más horas depois do almoço, ainda ofegante pelos 5 cigarros que insisti em fumar de seguida a compensar os que não fumo de manhã. Trazia na mão a (merda da) Blitz deste mês, uma cópia encadernada do novo livro de contos do melhor escritor de sempre (hi hi hi), o maço de tabaco com o isqueiro a fugir para o chão e a mão esquerda enfiada na mala (saco de praia, no fundo) à procura das chaves do escritório.

 

O rabo de cavalo que fiz de manhã é nesse momento uma versão filho-mais-novo-mutante, os óculos de ler caem-me pelo nariz abaixo e a minha roupa não me fica tão bem quanto achei de manhã que ficava, antes de sair de casa. Nisto, no meio desta linda figura, entro a dizer boa tarde ao Sr. P. (senhor da portaria com ar deprimido e muito profundo que lê um livro por dia e desconfio que são todos sobre vampiros) e a tentar sorrir para desculpar a indesculpável falta de compustura com que entro neste edifício de gente fina.

 

Abro a porta do elevador com um pé e atiro-me lá para dentro toda contente. Tenho, ou pelo menos acho que tenho, cerca de 28 segundos para me compôr e encontrar as chaves até chegar lá acima. Nesta altura entram-me dois arquitectos no elevador. Correcção, entram-me no elevador dois tipos giros de morrer que eu sei que são arquitectos porque vão para o andar debaixo do meu. Bonito. Sorrio outra vez e lembro-me que nos filmes as miúdas como eu assim trapalhonas são deliciosas e encantadoras e tento abraçar a minha situação.

 

No meio deste xirimbéu todo o elevador desata a apitar. Aliás, desata a tocar porque parece o som de um telefone. Eu, como nos filmes claro está, digo uma piadola: "Se for para mim não estou". Não tenho graça nenhuma, caraças. Continua a tocar. Ninguém ri comigo. Não me consigo compôr ao espelho com estes dois aqui plantados.

 

Chegamos ao andar deles, saem, sorriem e dizem boa tarde. Aí, já prestes a suspirar de alívio e a desapertar um botão das calças por causa do susto, antes da porta se fechar vejo a mãozinha de um deles ainda a agarrar a porta e a espreitar com a cabecinha. - Sabe, o elevador quando faz este barulho geralmente é porque vai cair ou parar. Boa Sorte!  E fecha-me a porta. Fecha-me a porta! E enquanto dentro do elevador a apitar  estridentemente eu ainda soltei um Meh?! consegui ouvir os risinhos dos dois arquitectos giros à brava e com idade para ter juizo.

27
Ago08

Efeméride

Domesticada

As datas têm importância. E celebrar datas tem importância. Para a pessoa se localizar no tempo e aperceber-se que está velha, nova, que fez asneira, que ainda bem que tomou aquela decisão, que progrediu ou que não mudou o que queria.

 

Ontem nem sei bem porquê nem como, mas deparei-me com a data do meu início blóguico. Foi a 9 de Novembro de 2003 que comecei a blogar. Faz realmente 5 anos este Novembro que ando nisto. Triste, triste verdade, mas enfim. Por esta altura imagino que já devia ter compreendido o sentido da vida, mas um blog não traz nada disso.

 

Aqui o tasco (ou uma versão 1.0 do tasco) na verdade já me ajudou a curar o grande desgosto amoroso de 2004, mais conhecido como (cof cof) O Grande Desgosto Amoroso de 2004 Que Não Gostamos de Admitir Que Só Acabou Em 2007. E não foi nada mau, porque escrevi para aqui umas parvoíces, umas pessoas acharam piada e por aqui fui ficando.

 

Ora bem, hoje não é de longe o dia 9 de Novembro de 2008, eu sei. Mas há anos que não celebro os aninhos do blog (que é mais velho que a Billie Jean) e dado que não tenho direito a celebrar outras datas que queria, fico com esta. Pronto.

 

Resolvi que este ano vai haver celebração em grande, por isso até Novembro aceitam-se ideias. 5 anos de me aturar a mim própria é obra!

26
Ago08

Ontem

Domesticada

Olhou à sua volta, respirou fundo e foi buscar o sorriso outra vez. Entregou o sorriso à sala cheia que esperava com antecipação as próximas palavras.

 

–E com isto pretendemos não só revolucionar o mundo da comunicação, como alterar para sempre as relações humanas, curar o cancro, acabar com a fome e criar uma efectiva paz no mundo.

 

Sorriu para dentro, ainda calado, e entregou um sorriso mais verdadeiro à plateia. Respirou outra vez e falou:

 

-E com isto pretendemos facilitar a comunicação móvel em Portugal, de forma a optimizar as linhas disponíveis conseguindo ao mesmo tempo um mercado competitivo.

 

As palmas começaram praticamente em uníssono, seguindo sempre num meio tom entre o militar e genuinamente emocionado, mas sempre baixas. Não se pode esperar mais do que isto duma palestra com este tema. Arrumou o portátil no saco e desceu do palco, cruzando-se logo com o próximo orador, também ele a receber as mesmas palmas. Não evitou o leve sentimento de desilusão por ter recebido palmas depois de um discurso inteiro, indênticas às que rebece um tipo que ainda nem sequer falou.

 

Saiu e procurou uma casa de banho onde lavou as mãos e passou os dedos ainda húmidos pelo cabelo, e achou que estava composto. Encontrou, à saída da casa de banho um empregado com a trazer um tabuleiro de croquetes, de onde tirou três e repôs um para não parecer esfomeado. A ex-namorada tinha passado dois anos a advertê-lo para aquela situação. Não se pode parecer esfomeado. Duas horas mais tarde em casa ocorreu-he que repôr um croquete tinha acabado por parecer pior do que ter tirado três duma vez, e chamou-se estúpido duas vezes. Jantou uma hora depois disso, na mesa da cozinha, ao mesmo tempo que leu o blog do amigo emigrado no Brasil.

 

Fez tudo isto nesse dia sabendo que era o seu último. Teve pena de todas as outras pessoas do mundo cujas histórias eram contadas por outras, vangloriando-se do pouco que o pobre sujeito sabe sobre o seu último dia de vida. Na sua história, se alguém a contasse, ele nunca seria um palerma. Na sua história ele seria calmo e profissional e educado, e aceitou o seu último dia de vida como uma justiça poética que ele próprio na verdade não reconhecia, mas sabia com alguma certeza existir.

 

Continuou a ler o blog do amigo no Brasil, um mentiroso a viver no meio de caipirinhas e mamas de silicone, e deixou esfriar o café. Chamou-se estúpido mais uma vez. Quando se levantou para pôr a chávena no microondas reparou no gato em cima do lavatório e fez-lhe uma festa. O gato respondeu enconstando-se um bocadinho e deixou-se cair porque a mão dele já lá não estava. Olhou para o gato friamente e disse Que merda, não gostes tanto de mim!

 

À uma da manhã deitou-se, depois de ver episódios repetidos e trocados de duas ou três séries de que nem gosta especialmente. Apagou a luz e pela primeira vez em muitos anos colocou-se na posição de dormir preferida, que o médico tinha proibído por causa da coluna. E adormeceu.

 

De manhã acordou feliz e descansado. De manhã acordou feliz como não se lembra nunca de ter acordado. E de repente apercebeu-se que de manhã acordou. E que acordou feliz porque este era o dia em que já não estaria vivo. Não comprendia, não fazia sentido. Tinha a certeza que era naquele dia. Era ontem, dia 24 de Agosto de 2008. Tudo o que a cigana lhe tinha dito desde os 14 anos de idade estava certo. O divórcio dos pais, a morte da avó, o nascimento da meia-irmã, o fim do seu curso, até a terrível apresentação na palestra de ontem tinha sido descrita pela cigana. Tudo estava no lugar, o que raio estava ele ainda ali a fazer?

 

Sentou-se na sala, com o gato no colo a pedir festas e a mão dele, instintivamente, a fazer-lhe festas como se não o visse há um mês. Sentado assim pensou e repensou tudo o que fez e tudo o que poderia ter levado àquela situação. Era para ter morrido, mas não sabia como, por isso era difícil perceber o que fez mal. Resolveu finalmente comer o pequeno almoço, que preparou devagar e com requintes de guloso enquanto continuava a fazer festas ao gato.

 

Lembrou-se que tinha rapidamente de fazer um telefonema, para evitar que o plano que tinha feito tivesse continuidade. Ligou para a ex. Pediu-lhe desculpa, agradeceu o trabalho que deu, mas já não era preciso vir buscar o gato. O Matias afinal ficava com ele e não se falava mais nisso. Pelo meio não conseguiu evitar brincar e dizer-lhe: Ontem tinhas ficado orgulhosa de mim, resisti aos croquetes. 

 

Desligou o telefone a sorrir levemente, e foi aí que ouviu as notícias, e com elas apresentou o sorriso mais verdadeiro da sua vida.

 

A conferência europeia sobre telecomunicações móveis,  realizada ontem na nossa capital, terminou abruptamente por volta das 19 horas após terem sido conhecidos dois casos de intoxicação alimentar grave devido ao serviço de catering contratado para o evento. 

25
Ago08

Ainda o Kafka

Domesticada

Peço a vossa atenção à capa de revista mais uma vez. Uma entrevista ao Ted Turner, um artigo ciêntifico que prova que a infidelidade masculina é perfeitamente natural, um concurso de humor, um inside sobre a ascenção da carreira dos Bee Gees e uma piece certamente fantástica sobre a mui nobre profissão de Secretária com todos os sexismos a que a dita tem direito. De 1978. Caramba, eu quero imenso ler esta revista.

 

E afinal consigo escrever dois posts sobre o Kafka. Espectacular.

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"Personally I'm always ready to learn, although I do not always like being taught." Winston Churchill
mariajoaoso (arroba) gmail.com

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