Do Tempo em que os Zombies Andavam
Não há como enterrar melhor uma infância do que a notícia da morte de Michael Jackson. Num momentinho sabemos instantaneamente que o nosso eu pequenino morreu. Vai-se num instante, puff. Os oitentas e os noventas, carregados de ídolos e de hipocrisia, aguentavam-se já por um fio, prestes a transformarem-se numa década de ícones, feita de efemérides estilizadas, acordes remasterizados e cortes de cabelo revivalistas. Os oitentas e os noventas tinham ainda um restício de realidade. Deixaram de o ter.
Os ídolos que julguei não durarem até à minha adultice ainda cá estão, a servir de estandarte de eras passadas e a ganhar a vida. O Leonard e o Stevie Wonder, na minha cabeça, já não estariam comigo à chegada dos 30 (Deus-do-céu, quando o Leonard morrer farei uma semana de luto) e os ídolos em que confiava que me acompanhariam, deixaram-me. Sou de uma geração, desculpem lá começar a frase assim, mas sou de uma geração que sobreviveu ao suicídio do Kurt Kobain. Levantou-se, sacudiu o capote, encarou a merda da vida e pensou "que se foda". Não perdemos um ídolo para o colestrol ou para as drogas e o rock 'n roll ou para seja o que for. Perdemos um ídolo que desistiu. Não é qualquer geração que ultrapassa isto.
Felizmente para mim sempre gostei do Michael. Perdi o Freddy Mercury, perdi o Kobain, perdi o Lennon, "perdi" o Morrison, mas felizmente sempre tive o Michael. Tive o Michael quando era o máximo, quando era esquisito, quando era ainda mais esquisito, quando era "criminoso", quando estava "acabado". Tive e estive com o Michael nisso tido, porque não havia como ele. Porque um dia, a seguir ao Concerto (com maiúscula que é como eram os concertos na altura) no estádio de Alvalade, estive a um metro dele dentro do carro, e consegui sentir o estrelato que dele emanava. Não brinquem, minha gente, era o Rei da pop, o Rei da pop, o Rei desta merda toda.
Há poucos dias apanhei uma entrevista algo constrangedora da Jeanine Garofalo no cada vez mais adorável Jimmy Fallon. A Jeanine Garofalo é daquelas miúdas que eu nunca queria ser mas no fundo queria. Era a amiga opinativazinha e com graçolas nos filmes dos noventas, quem queria ser essa amiga? Mas lá estava ela há uns dias atrás, em 2009 num talk show de uma sociedade que claramente já não era a dela. Eu própria me encolhi um bocadinho ao ouvi-la dizer que não gosta de computadores que acha ridículo o excesso de partilha de informação entre as pessoas (twitter) eas havaianas nos pés das mulheres de Nova Iorque. Mas o grosso da entrevista foi sobre os cuidados a ter com Zombies nos tempos que correm. Com tanta razão. Os Zombies de hoje, dizia, são astutos, resourceful, correm! Correm que se fartam.
E devia ter sido um aviso, ao meu pequenino eu, esta conversa toda da Jeanine Garofalo. Porque vi os anos noventa ali, a acabar. E não me dei conta. Pensei no meu queridoquerido Michael, no que ele ainda havia de nos dar. Na sua tourné nova, no album que prometia, pensei no meu querido querido Michael, que aida vivia agarrado ao talento maior que ele próprio, e que resistia, caramba. Pensei, pensei a vidinha toda, no meu querido querido Michael que contra tudo o que de mau, péssimo, pérfido que lhe aconteceu, fez-nos a todos um favor e não desistiu.
O meu pequenino eu está bem morto hoje, e de súbito ficou-me esta sensação incómoda e infeliz de ser adulta. E o mais triste de tudo é já nem conseguir chorar como chorava.