29
Jan06
Neve
Domesticada
Vinha para casa sexta feira. Exausta, mal disposta, farta do trânsito, dos tranportes públicos e do peso que a semana traz aos ultimos minutos de trabalho do dia. Resolvi meter-me num taxi. Comentei que estava frio, como quem indica ao condutor que sou um passageiro à procura de uns minutos de conversa trivial. Esperei para ver onde a resposta dele nos levaria. Disse que isto não era nada, que na terra dele é que fazia frio a sério, lá para os lados da serra da estrela, terra curiosamente da minha avó também. Começava assim a conversa com este senhor pequenino que, achando que não lhe olhava directamente tentava falar comigo pelo retrovisor tendo para isso de se esticar todo a ver se me apanhava os olhos. Falámos sobre a neve. Ah, a neve. sabe, menina, quando nevava lá e eu era miúdo era dos únicos dias em que éramos felizes. Costumava brincar com uns amigos meus muito malandros e metiamo-nos com o padre. Pegávamos numa tábua de madeira e faziamos figuras em neve para lhes pôr em cima... uma nossa senhora, uns pastorzinhos. Depois punhamos a tábua aos ombros e faziamos a procissão pela igreja a zombar do padre. Começava a empolgar-se, de certeza que há muitos anos não se lembrava das traquinices que fazia em criança. Uma vez, menina veja lá isto, uma vez fomos ao cimo do monte onde havia a neve mais espessa e fizémos uma bola. Fomos rolando, rolando até que cá em baixo já estava uma bola gigante, do tamanho dum carro. Rolámos a bola até à porta da igreja e foi lá que ficou. Dias depois de ter acabado de nevar ainda a bola lá estava, à porta da igreja, cada vez mais pequena, mas ainda lá estava. E nós os malandros, que nos ríamos como uns loucos todos os dias que lá passávamos, nunca ninguém chegou a saber quem tinha levado a bola até lá. Já pensou o que era, perguntei eu, se nevasse agora em Lisboa? Oh, menina, que feliz que eu era, ia logo brincar com os meus netos. Aos anos que não vejo nevar. Mas aqui não cai, aqui em baixo não cai. Era lindo menina, mas já vão para lá uns cinquenta anos que não acontece. Era feliz se visse as "pastinhas" de neve a cair aqui, era feliz sim senhor
Hoje, mais que histérica e infantil perante os floquinhos de neve a cair à frente do meu nariz, lembrei-me do meu taxista de sexta feira. E fiquei feliz por imaginar o que foi a felicidade naquela casa, com o avô a contar aos netos as asneiras que fazia e a ser feliz mais uma vez a ver as "pastinhas" a cair
Hoje, mais que histérica e infantil perante os floquinhos de neve a cair à frente do meu nariz, lembrei-me do meu taxista de sexta feira. E fiquei feliz por imaginar o que foi a felicidade naquela casa, com o avô a contar aos netos as asneiras que fazia e a ser feliz mais uma vez a ver as "pastinhas" a cair